É comum leitores novatos no mundo de Tolkien lerem O Senhor dos Anéis e se perguntarem "será que Tolkien era racista?". Realmente, não é preciso ser um grande crítico literário para perceber que a obra-prima do escritor inglês é no mínimo eurocêntrica; os homens do oeste, ocidentais e brancos são bons, e os homens do sul e leste, pardos, negros e orientais são maus. Felizmente é possível conhecer o pensamento do autor não apenas por suas obras, mas tambem por suas cartas. Alem de correspondências estritamente profissionais entre editores e agentes literários, Tolkien trocava cartas com fãs e amigos escritores sobre a filosofia contida em seus trabalhos. E ao contrário de Monteiro Lobato, Tolkien nos reserva uma feliz surpresa quando desbravamos esse caminho.
O Senhor dos Anéis é uma história eurocêntrica
Realmente é verdade, e a mente mais pura pode cair no erro de acusar a obra de racista logo de cara - até nosso querido Felipe Sali fez isso uma vez. Mas antes de esmiuçar a mente e as intenções de Tolkien, permita-me dizer uma coisa: esse era o costume da época!
Tenha em mente que o Senhor dos Anéis foi escrito durante os anos 1940, uma época em que as telecomunicações e meios de transporte não eram tão avançados quanto hoje, e raramente um homem comum conhecia bem os costumes de outros países - até hoje é assim, embora a televisão e a internet estejam mudando isso. Um bom exemplo é Drácula, em que Bram Stoker (um homem culto e instruído) faz da Transilvânia um espelho do interior de sua terra natal, a Irlanda. Embora o próprio Tolkien fosse relativamente viajado - nasceu na África do Sul e combateu na Europa Central durante a 1ª Guerra Mundial -, não conhecia tão bem as culturas orientais. Alem disso, como filólogo ele sabia que árabes, indianos e europeus tinham mais em comum do que as massas acreditavam.
O sangue misto dos homens de Gondor
Esse trecho obscuro de O Senhor dos Anéis não é conhecido do grande público, mas pra quem não sabe os gondorianos modernos são considerados mais fracos que seus ancestrais e antigos reis, os dúnedain. Eugenia? Não, apenas mais um costume da época. Até hoje os ingleses possuem uma aristocracia ligada ao conceito de "governantes guiados por Deus" e de "sangue azul" e foi inspirado nisso que Tolkien criou os dúnedain. Para enriquecer a mitologia os dúnedain foram criados como descendentes dos edain, que "eram os únicos da raça dos homens que lutaram pelos Valar (deuses)".
Os edain foram recompensados com sabedoria, poder e longevidade, característica que para ser mantida dependia da preservação de sua linhagem. Em O Senhor dos Anéis os dúnedain são os únicos que conseguiram manter seu "sangue puro" e são reconhecidos como mais poderosos e nobres que outros homens - graças a esse presente divino. Aragorn, Boromir e Faramir pertencem a esse povo. Contudo isso não quer dizer que eles sejam infalíveis, pois os edain tambem são ancestrais dos numenorianos - um povo que traiu os deuses e caiu em ruína.
Harad e Rhun, os "homens maus" da Terra Média
Sim, na Terceira Era os homens de Harad e Rhun - que correspondem à África e Ásia de nosso mundo - são aliados de Sauron, e considerados intrinsecamente maus pelos homens do oeste. Mas esse era o mesmo tratamento que os saxões recebiam dos britânicos ou os europeus dos árabes; qualquer povo invasor é acusado de infiel, desumano e aliado às forças do mal, não é verdade?
Alem disso o autor fez questão de ressaltar a posição desvantajosa em que se encontravam esses povos. O Oeste era povoado por anões, elfos e homens descendentes de Númenor, a civilização mais avançada que o mundo já viu. Os haradrim e orientais eram mais atrasados e oponentes mais fracos contra Mordor, alem de terem sofrido bem menos com Morgoth e Sauron que os habitantes do oeste - os elfos, por exemplo, viviam para sempre e ainda se lembravam do horror que eles causaram. No livro, Sam se pergunta se os homens de Rhun são realmente maus ou foram enganados; na versão estendida de As Duas Torres essa reflexão é feita por Faramir.
Alem disso o autor fez questão de ressaltar a posição desvantajosa em que se encontravam esses povos. O Oeste era povoado por anões, elfos e homens descendentes de Númenor, a civilização mais avançada que o mundo já viu. Os haradrim e orientais eram mais atrasados e oponentes mais fracos contra Mordor, alem de terem sofrido bem menos com Morgoth e Sauron que os habitantes do oeste - os elfos, por exemplo, viviam para sempre e ainda se lembravam do horror que eles causaram. No livro, Sam se pergunta se os homens de Rhun são realmente maus ou foram enganados; na versão estendida de As Duas Torres essa reflexão é feita por Faramir.
Tolkien e o Nazismo
Por defender o Ideal Germânico e ter um especial apreço pela cultura nórdica, muitos desavisados pensam que Tolkien guardava certa simpatia pelo Nazismo ou fosse no mínimo anti-semita. Ledo engano. Antes de O Hobbit ser publicado na Alemanha, Tolkien teve de responder se era ariano ou judeu. Ele, valendo-se de seu conhecimento como filólogo, respondeu na Carta 30: "Lamento não ter entendido a pergunta. Se desejam saber se tenho ascendência ariana, ou seja indo-iraniana, digo que até onde sei não tenho ancestrais persas, indianos, ciganos, etc. Agora se desejam apenas saber se tenho ascendência judaica, informo que lamento não possuir ancestrais desse povo talentoso."
O trisavô de Tokien era alemão, e por conhecer a cultura germânica o autor exibia com orgulho essa ancestralidade, mas como se pode ver isso não implicava em eugenia ou anti-semitismo. Na Carta 81 ele ainda mostra seu desprezo pela guerra e pela limpeza racial. "Os alemães tem tanto direito de exterminar judeus e poloneses quanto nós de matá-los; ou seja, nenhum". Lembrando-se que antes da Segunda Guerra Mundial o anti-semitismo era amplamente difundido entre os europeus, um povo que não se envergonhava em dizer que considerava outros povos inferiores.
Conclusão: Tolkien era um homem à frente de seu tempo. Embora longe do padrão moderno de ética e moral, era um homem inclusivo e pacifista. Se O Senhor dos Anéis não transmite valores de pluralismo cultural, é porque não era sua intenção. Acusar a obra de racismo é como acusar As Crônicas de Gelo e Fogo de apologia à violência sexual; o autor não endossa os valores e comportamentos de seu mundo fantástico, apenas torna o leitor consciente daquela realidade.
Por defender o Ideal Germânico e ter um especial apreço pela cultura nórdica, muitos desavisados pensam que Tolkien guardava certa simpatia pelo Nazismo ou fosse no mínimo anti-semita. Ledo engano. Antes de O Hobbit ser publicado na Alemanha, Tolkien teve de responder se era ariano ou judeu. Ele, valendo-se de seu conhecimento como filólogo, respondeu na Carta 30: "Lamento não ter entendido a pergunta. Se desejam saber se tenho ascendência ariana, ou seja indo-iraniana, digo que até onde sei não tenho ancestrais persas, indianos, ciganos, etc. Agora se desejam apenas saber se tenho ascendência judaica, informo que lamento não possuir ancestrais desse povo talentoso."
O trisavô de Tokien era alemão, e por conhecer a cultura germânica o autor exibia com orgulho essa ancestralidade, mas como se pode ver isso não implicava em eugenia ou anti-semitismo. Na Carta 81 ele ainda mostra seu desprezo pela guerra e pela limpeza racial. "Os alemães tem tanto direito de exterminar judeus e poloneses quanto nós de matá-los; ou seja, nenhum". Lembrando-se que antes da Segunda Guerra Mundial o anti-semitismo era amplamente difundido entre os europeus, um povo que não se envergonhava em dizer que considerava outros povos inferiores.
Conclusão: Tolkien era um homem à frente de seu tempo. Embora longe do padrão moderno de ética e moral, era um homem inclusivo e pacifista. Se O Senhor dos Anéis não transmite valores de pluralismo cultural, é porque não era sua intenção. Acusar a obra de racismo é como acusar As Crônicas de Gelo e Fogo de apologia à violência sexual; o autor não endossa os valores e comportamentos de seu mundo fantástico, apenas torna o leitor consciente daquela realidade.
Muito bom, esclareceu algumas das minhas dúvidas.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMais centrada mesmo na cristandade eu diria.
ResponderExcluirMaravilha e útil publicação.
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