terça-feira, 2 de outubro de 2012

A Fé Pagã - Parte 1

"O Grande Chefe de Washington comunicou-nos o seu desejo de comprar as nossas terras. O Grande Chefe assegurou-nos também da sua amizade e de quanto nos preza. Isso é muito generoso da sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Mas, como pode comprar ou vender o céu e o calor da terra? Tal ideia é estranha para nós. Se não somos os proprietários da pureza do ar ou do resplendor da água, como pode comprá-los de nós? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo. Cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada clareira e cada zumbido de inseto são sagrados nas tradições e na memória do meu povo. A seiva que corre nas árvores transporta consigo as recordações do homem de pele vermelha. Assim se vendermos as nossas terras amai-as como as temos amado e cuidai delas como nós cuidamos. E com toda a vossa força e o vosso poder conservem-na para os teus filhos e amem-na como Deus ama a todos nós."

Esse é um trecho do discurso do chefe indígena Seattle ao presidente americano em 1854, quando as terras da tribo Duwamish foram compradas pelo governo. Mas alem de um grande registro histórico, esse discurso nos revela a principal característica da espiritualidade pagã: a sacralidade da Natureza.

No passado 

Para entender a relação entre paganismo e culto à Natureza, precisamos voltar ao passado, para o início da história humana. Durante o Período Neolítico (final da Idade da Pedra, de 10.000 a 3.000 a.C.) o homem já se organizava em pequenas comunidades, geralmente próximas a rios, o que lhe permitiu desenvolver a agricultura e a domesticação de animais. Mas para plantar e colher, bem como criar seus animais, caçar e estocar alimentos, o homem dependia da observação do ciclo das estações e dos fenômenos naturais, e dessa observação surgiu um fascínio por aqueles fenômenos, até então incompreensíveis. Assim surgiram as primeiras religiões, em que essas comunidades prestavam culto e faziam oferendas aos mais diversos aspectos da natureza à sua volta, personficados por deuses. 

Tudo tem espírito

De forma geral, as tradições pagãs podem ser consideradas animistas, ou seja,  consideram tudo que existe como tendo espírito. Mas o espírito aqui tem outro sentido; não é só uma força que anima o homem e o deixa quando ele morre. Espírito é o propósito de tudo que existe, a energia imanente do Universo que se materializou na criação. Sendo assim, o Sol, a Lua, as estrelas, rios, montanhas, florestas, a chuva, o vento, os animais, o ser humano e tudo que ele cria têm espírito, pois tudo foi criado com um propósito e cumpre o seu papel na Natureza. 

Tudo é sagrado 

Já que tudo que existe tem espírito e faz parte da natureza, os pagãos acreditam que tudo à sua volta é sagrado. Mas o que significa "sagrado" para um pagão?  Sagrado é tudo aquilo que você reconhece valor. Sendo assim, enquanto as primeiras comunidades do Neolítico  cultuavam os astros, a chuva e os animais, o neopagão considera sua casa, sua família, seus amigos, seus hobbys etc, tão sagrados quanto a própria natureza, pois tudo isso tem o seu valor. Com essas ideias em mente, já é possível esclarecer muitos pontos sobre a fé pagã. 

Os pagãos acreditam em Deus?

Sim, mas de outra forma. Como já foi dito, os pagãos acreditam que tudo é sagrado e possui espírito, sendo assim Deus não é um ser pessoal separado da Natureza, e sim a energia que permeia tudo que existe e virá a existir. Resumindo: Deus é o próprio Universo.

O que é o Mal para o Paganismo? 

Em muitas tradições pagãs, não é exagero dizer que o Mal simplesmente não existe. Por mais complicado que possa parecer para os cristãos e outras religiões maniqueístas, é fácil explicar. Para eles existe o Bem Absoluto e o Mal Absoluto, baseados em valores morais definidos por um deus pessoal. Mas para os pagãos a moral não é um valor absoluto, e sim relativo e individual, relacionado ao propósito de cada um. Matar é errado? E se fosse preciso matar para garantir sua própria vida? Fazer sexo antes do casamento é errado? E se for uma relação consentida, que não prejudique ninguem e segura, o que há de errado nisso? No fim das contas, os conceitos de certo e errado são parecidos nas duas culturas; certo é o que não contraria o propósito divino, e errado o que contraria e causa prejuízo. A diferença é que, para os pagãos, o propósito divino é o equilíbrio e a harmonia entre todas as coisas.

O que é pecado para o Paganismo?

Não existe pecado. Novamente o conceito de pecado se refere a uma lei quebrada, a um Bem Absoluto sendo infringido, e para os pagãos isso não existe. O que existe é o desequilíbrio, a desarmonia com a própria natureza ou a natureza de outros.

Existem templos nas tradições pagãs?

Respeitando a tradição de cada lugar e cada povo, algumas tradições mantem pequenos altares ou espaços ritualísticos a céu aberto para os seus ritos. Mas como todo lugar é sagrado, não há templos e são valorizadas reuniões de pequenos grupos ou mesmo ritos individuais. Alem disso a espiritualidade pagã é desenvolvida no dia-a-dia; admirar o pôr do sol, o canto dos pássaros ou simplesmente uma bela música é tão significativo para o pagão quanto uma missa para o católico.

Por que os pagãos adoram vários deuses? 

Os pagãos modernos enxergam os deuses de forma distinta de seus ancestrais. Para eles os deuses não são literais; são apenas personificações de fenômenos, ideias, sentimentos. Sendo assim ao cultuar ou pedir ajuda a um deus, ele está se comunicando com o próprio Universo através de um arquétipo. Mas isso não quer dizer que eles não existam; os deuses  pagãos são tão pessoais e palpáveis quanto qualquer outra divindade, os pagãos apenas sabem que eles não são o princípio do Universo.

Semana que vem confira a continuação da série sobre Paganismo com mais detalhes sobre as crenças pagãs.


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