terça-feira, 16 de abril de 2013

A Semana das Chilenas - ou o sonho da Vovó Dinossauro (parte 4)


Nota do Leandro: Fala galera, público bacana do RB. Este texto que vocês começam a acompanhar a partir de hoje é uma experiência um pouco diferente dentro do site. "A semana das chilenas..." trata-se de uma pequena incursão dentro de um gênero que pode-se definir como jornalismo literário. A ideia é retratar uma "literatura não ficcional", um registro jornalístico, mas com uns toques dentro de elementos que geralmente são encontrados dentro da literatura, sacou? O estilo oscila de forma bacana entre o relato auto-biográfico e o romance. É um gênero que ficou bastante popularizado com autores como James Joyce (Ulisses) e George Orwell (Na pior em Paris e Londres). Não que eu esteja me comparando com eles, é claro. Eu nunca seria capaz de ter o bigode estiloso deles.
Espero que vocês gostem!

Confira antes a parte 1, parte 2 e parte 3!


A semana das chilenas – e o sonho da Vovó Dinossauro

A faculdade de História me levou para vários caminhos interessantes até hoje. Infelizmente, ainda pra nenhum que significasse dinheiro, mas isso é algo para se resolver depois.

Um desses caminhos interessantes desembocou na Faculdade de Medicina, que estava criando um Centro de Memória e precisava de historiadores para tocar o negócio. Isso foi no quarto ano da faculdade.

Agora, uma comparação interessante para quem se interessa por jogos eletrônicos no estilo “mundo aberto”, aqueles que têm uma cidade por onde você pode passear com a sua personagem, geralmente cometendo delitos. Nesses jogos, até certo ponto, você não pode conhecer determinadas áreas da cidade, que se encontram bloqueadas. Conforme o tempo passa e você vai melhorando seu nível, as barreiras nas pontes da cidade desaparecem e você vai para novos bairros, vizinhanças ainda desconhecidas.

Minha experiência foi mais ou menos assim. No quarto ano, fui trabalhar na Faculdade de Medicina, que fica afastada de todo o resto do campus. Em todo meu período até então na Universidade, eu nunca tinha passado mais do que uns vinte minutos, totais, nesse lugar e agora, eu estava ali todos os dias. Como se houvesse desbloqueado uma área nova do jogo.

Era esse tipo de bobeira que eu ia pensando no ônibus, todas as manhãs, enquanto me encaminhava para o trabalho.





Nos anos anteriores, quando a Faculdade de Medicina era só mais uma paisagem pela janela enquanto eu percorria o caminho sonolento até a minha própria faculdade, eu me sentia um tanto incomodado.

Não era agradável passar pelo hospital logo cedo. As pessoas, doentes das mais variadas formas, se aglomeravam em filas enormes, esperando a chance de serem atendidas. Pareciam pessoas sofridas. E pareciam estar desde sempre naquelas filas, se apoiando umas nas outras, antes das sete da manhã. É uma imagem horrível, mas o ônibus, nessas situações, era como um daqueles carrinhos de safári, onde os turistas éramos nós, estudantes sadios, observando aquelas pessoas tristes lá fora que nos devolviam, às vezes, o mesmo olhar curioso.

No tempo em que eu trabalhei lá, detestei todas as vezes em que fui obrigado a entrar no hospital por um motivo ou outro. Ver aquelas pessoas doentes sempre me deu uma sensação terrível de impotência.

Mas a vida continuava, porque, como eu havia aprendido, era necessário trabalhar para se alimentar e sonhar para continuar vivo.

Eu geralmente saía apressado do Centro de Memória para ir pegar meu ônibus para a casa. O querido 724, que mereceria um livro só para ele. Nesses anos todos, é curioso observar a relação de felicidade incontrolável que eu estabeleci com certos números. Talvez seja um resquício de uma reação pavloviana, talvez seja uma piração minha, mas meu corpo costumava responder, de maneira impensada e com involuntária animação, à visão de determinadas sequências numéricas. Explico.

Quando eu precisava passar horas e horas no Terminal esperando meu segundo ônibus para voltar para casa (antes de descobrir que o querido 724 fazia sozinho o caminho necessário), eu tinha sempre um momento de euforia. Era a alegria incomparável que eu sentia quando lia, em luzes brancas contra o fundo escuro, aquele número gordinho, bonito: 338. O número que significava casa, banho, descanso. O número que significava o encerramento de uma jornada. Eu conversava com muita gente no Terminal, conheci muitas histórias interessantes e muita baboseira também. Algumas pessoas gostam de conversar enquanto esperam o ônibus. E eu gosto de conversar com elas. Mas quando eu avistava, lá longe o 338 brilhando... Eu esquecia rapidinho o sujeito da Costa Rica que estava me contando suas impressões do Brasil ou a bixete que veio puxar papo. A visão do 338 encerrava, definitivamente, o meu dia. Valeu, galera, agora só amanhã.


E depois veio o 724. Era uma viagem menos solitária. Geralmente tinha algum amigo, alguma paquera ou um conhecido qualquer no 724. Querido 724, com seu número branco estampado contra o fundo vermelho...

Mas como eu dizia, eu sempre saía correndo, apressado, para chegar a tempo no ponto. E muitas vezes eu acabava perdendo o ônibus, seja porque ele decidia não parar naquele ponto ou porque um de nós dois estava atrasado. De toda forma, eu passava muito tempo parado no ponto e acabava conversando com várias pessoas diferentes. E quando eu digo “diferentes”, é no sentido mais amplo da palavra.

É preciso entender uma coisa: num ponto de ônibus qualquer dentro da Universidade, você encontra pessoas diferentes mas que são, de um modo geral, parecidas. Porque elas pertencem a um mesmo universo, mais ou menos. Todas tem algum tipo de relação com a universidade. Geralmente, alunos.

Agora, num ponto de ônibus dentro da universidade, mas perto de um hospital, você encontra qualquer tipo de pessoa mesmo. Porque qualquer tipo de pessoa precisa de hospital. E teve a semana das chilenas.

Eu havia perdido o ônibus, constatei. Ele estava demorando demais. Pluguei os fones no ouvido, selecionei um Nerdcast e fiquei tranquilamente sentado no meu lugar, esperando.

E então um ônibus parou à minha frente e desceu uma senhora. Sua figura era curiosa sob qualquer aspecto. Ela congelou a minha atenção.

A primeira impressão que eu tive, a primeira ideia que me veio à mente, era que ela se parecia com uma bruxa clássica de histórias infantis, só um pouco mais gordinha. A senhora era muito branca e tinha cabelos louros muito desgrenhados. É como se seu cabelo fosse um grande exemplar de macarrão farfalle, aquele famoso "gravatinha", colado sobre a cabeça. Acho que dá para imaginar. 

Ela descia as escadas do ônibus gingando, como quem faz muito esforço. Trazia consigo uma mala grande. Sandálias espremidas em pés inchados, com meias marrom até o joelho. Uma saia apertada em volta de sua cintura redonda. Quando olhou para mim, deu um sorriso largo e eu pude ver uma verruga grande ao lado do nariz. Bem bruxinha mesmo.

Saí do meu transe um tanto envergonhado. Geralmente eu teria ajudado a senhora a descer com a mala, mas a sua visão realmente havia me cativado de uma maneira meio estranha.


A mulher se sentou ao meu lado, bufando e sorrindo. Arrumava os cabelos freneticamente enquanto olhava para os lados. Como não havia mais ninguém perto o suficiente, resolveu conversar comigo. Tive uma certa dificuldade de entender seu portunhol carregado e sua fala excessivamente rápida.

“Me desculpa?”, perguntei, retirando o fone dos ouvidos.

“Eu disse que eu sou chilena, sabe?”, ela me respondeu com o sotaque que não saberei reproduzir aqui. Cada fala veloz dela levava alguns segundos se decodificando em meu cérebro.

E então ela começou a conversar comigo. Ou não, porque na verdade, ela não se interessava muito pelas minhas respostas e simplesmente continuava seu monólogo insensato.

Descobri que ela estava fazendo algum tipo de tratamento de pele no hospital. Que cresceu no Chile, mas precisou vir ao Brasil por qualquer motivo escuso. Descobri tudo sobre a vida daquela completa estranha em pouquíssimo tempo. Logo as pessoas começaram a se reunir no ponto e a se divertir, secretamente, com o espetáculo do meu desespero de não entender o que ela dizia. Em algum momento ela começou a se auto denegrir, provavelmente emulando alguma coisa que haviam dito para ela, não sei. A mudança no tom de voz poderia indicar isso, mas era muito difícil compreender sua intenção. Eu estava entrando em pânico. Ela dizia como os outros a chamavam de “gorducha, cabelo de xixi”. E a todas essas, ela apertava a própria barriga e puxava os próprios cabelos. Eu estava assustado.
Até que ela começou a falar dos filhos. Ah, ela falou dos filhos dela. Quatro, todos homens.

“É uma tristeza só ter filhos homens, não é?”

“É?”, eu respondi, pensando nos meus dois irmãos.

“E sabe por que? Porque homem veio para o mundo só para sofrer. Isso mesmo! Sofrer! E sabe nas mãos de quem ele sofre? Da mulher!”

Esta última frase foi dita com tanta força que eu até recuei um pouco no banco. A chilena amalucada começou a se empolgar com o público que se reunia para ouvir suas teses. Ela olhava para os lados e gesticulava, encarava a todos, contente. Mas sempre voltava para mim. Ela estava gostando do público. O stand up do manicômio.

“Porque mulher não presta”, continuou. “Mulher é tudo ruim e manipula. Isso mesmo! Mulher manipula e manipula. A mulher não quer nada sério, só quer manipular. Dar o golpe, é isso que toda mulher quer. Oh, meu Deus, e como eu sofro por ter quatro filhos homens... quatro bananas, que vão ser iludidos por uma mulher!”



“Porque eu vou te contar como as coisas funcionam. A mulher quer dar o golpe da barriga. Quer apenas engravidar para segurar o homem que vai sustentar ela. É assim que o mundo funciona, rapaz. Toma cuidado!”

Enquanto a conversa estava apenas nesse absurdo divertido, por força das circunstâncias, eu não me preocupei muito. Estava entrando em pânico, mas era um pânico controlado. A curiosidade do ratinho encantado pela imponência da serpente que ainda não sabe das presas escondidas. 

Até que as coisas começaram a ficar um pouco sinistras.

“E existe muita violência hoje em dia, não existe?”

Que mudança de assunto!

“Antigamente, eles apenas matavam. Era normal, não é? Matavam apenas e estava tudo bem. Mas hoje, eles matam com requintes de crueldade. Hoje eles não apenas matam, mas eles matam e picam em pedacinhos!”

Esta última frase foi gritada na minha direção, os olhos arregalados olhando para os meus. E eis que o ratinho descobre o que está acontecendo.

“Matam. Cortam em pedacinhos. E botam fogo!”

Sempre grifando com um grito a última etapa do requinte de crueldade.

“Matam. Cortam em pedacinhos. Botam fogo. E dão os restos para os cachorros comerem! E depois pegam o que sobrar e jogam no rio! Hay crueldade, hay muita crueldade!”

 “E então”, ela concluiu. Havia uma linha de raciocínio ali! “E então quando a mulher dá o golpe da barriga no homem e ele mata, pica em pedacinhos, dá pros cachorros comerem e tudo o mais... você pode dizer que o homem está errado?”

Eu pisquei, um pouco incerto se eu tinha realmente ouvido o que eu acabara de ouvir. Há que se dizer que aquele caso do goleiro do Flamengo havia acabado de vir à público e estava bastante recente. Pelo menos na cabeça da minha colega de ônibus.



A chilena olhava, orgulhosa, as outras pessoas no ponto. Elas também estavam assustadas. E com razão.

E neste momento, o pior quase aconteceu. Existe uma mulher muito simpática que sempre pegava o ônibus comigo. Era uma senhora muito bem humorada, que sempre me chamava de “rapaz do sorriso bonito”, que passava cumprimentando a todos. Uma senhora negra.

Quando a chilena terminou sua explicação maluca, essa senhora se aproximou de nós, cumprimentando a todos. Ela acabara de chegar ao ponto e não tinha apreciado o espetáculo. Cumprimentou-me e se sentou no espaço vago entre a chilena e eu.

A chilena olhou a novata com curiosidade. Eu pude ouvir seu cérebro formulando algum novo disparate para dizer. Eu juro que ouvi as pequenas engrenagens aquecendo e rodando.

E então a chilena, prendendo a respiração, tentou ser discreta e sussurrar para mim, por trás da senhora que acabara de se sentar.

“E esses negros de hoje em dia, hein?”, ela disse no sussurro mais alto da História.

Neste exato instante eu entrei em pânico. Congelei da mesma maneira que meu amigo João Luigi no assalto do fã do John Lennon.

Felizmente, a senhora era muito educada para levar a conversa adiante. E também, a visão do 724 aparecendo logo ali fez o sangue voltar a correr nas minhas veias.

Despedi-me rapidamente e entrei no ônibus.

Escutei uma risadinha atrás de mim enquanto eu me aproximava da catraca. 

Era uma senhorinha, muito parecida com a Vovó Dinossauro daquele programa antigo. Ela havia escutado toda a conversa da chilena e em um ou dois momentos, até havia tentado interromper o falatório para me salvar. Não havia conseguido, mas eu apreciei o gesto.


E Vovó Dinossauro se sentou antes da catraca e sorriu para mim.

“Algumas pessoas só querem conversar, filho. E você foi muito gentil ao dar isso para aquela maluca”

Eu fiquei acabrunhado e só afastei aquilo com um movimento da mão.

“Eu, por exemplo...” e lá se foi a Vovó Dinossauro me contar sua vida. Eu já estava anestesiado aquele dia, nada mais iria me surpreender.

Mas surpreendeu. A Vovó Dinossauro era uma pessoa realmente interessante. Contou-me como sua juventude foi difícil com um casamento que ela não quis. Como ela sempre quis estudar, mas o marido não deixou. Como seus anos foram repletos de frustrações.

Mas as coisas mudaram. Ela estava agora fazendo um curso avançado de espanhol. Para a pós dela em Linguística. Ah, ela não havia me contado que se formara em Linguística? Pois é, se formou. E agora esse curso.

E não está bom ainda, ela me disse. Seu próximo passo seria trabalhar na TV. E ela iria conseguir, eu ia ver. Não duvidei.

“Mas então o seu marido concordou com a senhora indo para a faculdade?”, eu perguntei.

“Ah, meu querido...”, ela respondeu com um sorriso. “Ele não pode mais me impedir de nada". E, se aproximando um pouco, concluiu, com uma piscadela: "Ele já não está mais aqui.”

Fiquei com medo de perguntar onde ele estava e a Vovó Dinossauro responder, com seu sorriso e serenidade de Vovó Dinossauro que ele tinha sido morto, cortado em pedaços, dado aos cachorros...


Ponto Final



Em Watchmen, clássico dos quadrinhos escrito por Alan Moore, existe uma personagem, Hollis Mason, o Coruja original. Na história, há um exercício de metalinguagem. Alan Moore criou um livro dentro do livro, uma biografia escrita por Hollis. E o antigo herói abre seu texto dizendo que, seguindo um antigo conselho que recebera certa vez, iria começar suas memórias narrando sua lembrança mais triste que conseguia se lembrar. E que daí para a frente, tudo ficaria mais fácil.


Eu gostaria de fazer o contrário e encerrar este texto com uma lembrança triste que eu tenho. O fim da semana das chilenas.

No dia seguinte àquela loucura toda, lá estava eu no ponto novamente. Sentado, com o inseparável Nerdcast no ouvido, olhando apreensivo para os lados. Cachorro mordido por cobra tem medo de mangueira. Foi quando essa senhora se senta ao meu lado. Só havíamos nós dois no ponto. Ela sorriu daquela maneira que só pode significar que a pessoa quer conversar. Uma escaramuça de simpatia, especulando se há a reciprocidade. Sorri também. E por que não? Ela então cumprimentou com aquele sotaque que eu bem conheci na véspera.

Contou que veio falar comigo porque sempre me via no 724. Sim, nós tomávamos o mesmo ônibus. Eu parecia ser simpático. Ao longo do tempo, descobri algumas pessoas, do mesmo ônibus, que se aproximaram pelo mesmo motivo. Eu parecia simpático, ou então o livro que eu lia parecia interessante ou qualquer coisa no meu desajeito para escrever com o veículo em movimento despertava alguma empatia. Às vezes nós nos acostumamos tanto ao papel de coadjuvante no mundo que não imaginamos o efeito que podemos causar nas pessoas à nossa volta.

Ela tinha um certo brilho nos olhos que me fazia acreditar que se tratava de gratidão. Sensação estranha para se ter. Havia também ali uma animação mal contida. Ela gostava de falar e fazia isso com excitação e cuidado. Como se tivesse medo de que eu, a qualquer momento, me levantasse e partisse. Falava com calma ponderada para eu não me perder no sotaque. E ouvia com atenção quando era a minha vez de falar.

Ela disse que nasceu no Chile e teve três filhos. Muito parecida com a procedência da outra chilena, mas a semelhança parava aí. Logo cedo ficou viúva e se mudou com os filhos para o Brasil. Para sustentar a família, arrumou um bico como enfermeira/acompanhante de uma senhora. Um trabalho que comprometia quase 24 horas de seu dia, quase 7 dias por semana. Mas era só por um tempo, até conseguir um emprego melhor.


Quase 20 anos se passaram nessa rotina. O trabalho temporário se transformou em sua vida. Ela criou os filhos mas não os viu crescer. Viveu em função de uma estranha. Nunca mais namorou ou se casou. Nunca arrumou amigos no Brasil.

“E agora estou aqui”, ela disse enquanto afastava um pouco a gola da blusa para revelar um cateter. “Câncer de mama. O médico disse que o tratamento não é garantido, mas mesmo assim eu estou fazendo. Três vezes por semana, toda semana”.

Eu não soube o que dizer, então disse o básico.

“Eu... sinto muito.”

“E por quê? Eu nunca tive tanto tempo livre para mim mesma”, respondeu, animada.

Aquela conversa realmente me afetou, por muito tempo. Que tipo de vida aquela chilena não deve ter tido. Eu me senti incomodado pela história. Eu não saberia mais o que dizer para ela. Confesso, sem qualquer orgulho, que passei muito tempo pegando o 724 em um outro ponto para não cruzar com a mulher. Eu não saberia mais o que nós poderíamos conversar. Não soube o que dizer. Eu estava à frente de um caso sem procedência para mim. Minha mania de colecionar histórias por aí, depois narradas ou então para sempre sepultadas, de certa forma me acostumou a ter contato com o sofrimento, a alegria, a intimidade das pessoas.

Mas eu nunca, em nenhum momento, havia conhecido caso semelhante. Pude só imaginar seu pesar, mas a simplicidade e a franqueza de seu otimismo destoou de qualquer lógica que eu pudesse compreender. Eu estava em terreno distante das minhas referências. E, logo, eu me senti envergonhado, pequeno. Segui a minha vida como sempre, encontrei meus amigos e almocei com a minha família como se nada tivesse acontecido. Só que aconteceu.

Porcaria de escritor que eu quero ser, achando que conheço qualquer coisa sobre as pessoas e apanhado assim, de repente. Alienígena do sentimento dos outros.

De longe, me esquivando dela no ônibus, eu acompanhei a mulher. A vi nos três dias por semana, indo alegre para o hospital, conversando com quem quisesse ouvir. Vi seus cabelos ficarem cada vez mais curtos, até a cabeça ser coberta por um lenço. Vi seu corpo emagrecer. Até o dia em que não a vi mais.

Me lembrei das palavras da Vovó Dinossauro. Algumas pessoas só querem conversar.


( )# 4
Eu precisava descer no próximo ponto e correr para dentro do Terminal. Eu não gostava de tomar aquele ônibus.

Quando chegávamos perto do último ponto antes do meu, a família foi para a porta de saída. A única do veículo. O menino não parecia estar muito bem, mas a mãe ignorou e o pai realmente não parecia se importar. Quando a porta se abriu, o garotinho não se segurou e despejou todo o almoço recém comido nos degraus. A mãe o puxou pelo braço e a família desceu.

Que droga. O próximo ponto era o meu e não teve jeito. Precisei ir para lá. Se ao menos o garoto tivesse esperado mais um segundo e descesse primeiro...

Lá estava eu. Encarando o almoço da criança que se espalhava sem nenhuma graciosidade pelos degraus.

Fazer o quê. A vida é assim. Ela não termina no ápice e, certamente, não espera o momento certo para dar qualquer lição. As coisas simplesmente acontecem. A vida simplesmente termina.

Que maneira mais deprimente de encerrar uma viagem de ônibus tão bacana.

Fim

*******************************
Obrigado, galera, por todo mundo que embarcou junto nesta viagem! :o)
Leandro

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3 COMENTÁRIOS

  1. ficou muito bom, jovem
    Suerte

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  2. Você poderia ao menos ter esperado para publicar em uma semana que eu não estivesse tão deprimida.

    "Fazer o quê. A vida é assim. Ela não termina no ápice e, certamente, não espera o momento certo para dar qualquer lição. As coisas simplesmente acontecem."

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:) :-) :)) =)) :( :-( :(( :d :-d @-) :p :o :>) (o) [-( :-? (p) :-s (m) 8-) :-t :-b b-( :-# =p~ :-$ (b) (f) x-) (k) (h) (c) cheer

 
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