terça-feira, 26 de março de 2013

A semana das Chilenas - ou O sonho da Vovó Dinossauro (Parte II)


Nota do Leandro: Fala galera, público bacana do RB. Este texto que vocês começam a acompanhar a partir de hoje é uma experiência um pouco diferente dentro do site. "A semana das chilenas..." trata-se de uma pequena incursão dentro de um gênero que pode-se definir como jornalismo literário. A ideia é retratar uma "literatura não ficcional", um registro jornalístico, mas com uns toques dentro de elementos que geralmente são encontrados dentro da literatura, sacou? O estilo oscila de forma bacana entre o relato auto-biográfico e o romance. É um gênero que ficou bastante popularizado com autores como James Joyce (Ulisses) e George Orwell (Na pior em Paris e Londres). Não que eu esteja me comparando com eles, é claro. Eu nunca seria capaz de ter o bigode estiloso deles.
Espero que vocês gostem!


Aqui, a segunda parte do texto! A primeira está aqui!



A semana das Chilenas - ou O sonho da Vovó Dinossauro (Parte II)



( )#1
Lá estava eu, numa sábado de manhã, sentado num ponto de ônibus totalmente deserto. Brigando com o radinho de mp3 que não queria me fazer companhia e ficava falhando.

Eu estava bastante irritado. Várias coisas na cabeça. O trabalho que não dava futuro, a faculdade que não empolgava. A pessoa chata que eu estava me tornando. Aquele cara que não sai com os amigos, que fica enfurnado em casa enquanto a vida passa lá fora e todo mundo parece se divertir mais do que ele.

Foi esse sentimento que me fez ir naquela festa que eu não queria na noite anterior. Ver o pessoal, interagir um pouco. Eu realmente estava passando muito tempo com trabalho e estudo e pouco com os amigos. Estava acumulando as lembranças erradas para o futuro.



Mas a festa foi realmente ruim. Ou eu que não estava muito no clima. O Erwin, meu amigo, que costuma ficar bêbado só pelo ambiente da festa, em cinco minutos desapareceu no meio da multidão. Retornou pouco depois, já no clima, roupa bagunçada, sorriso solto. Trazia uma caneca de cerveja na mão e uma expressão indefinida. Foi até onde eu estava – para todos os efeitos, uma “pista de dança” onde as francesas, donas da casa, se requebravam de forma desconjuntada – e resolveu me batizar com o conteúdo da caneca. O Erwin é muito católico.

Eu, na festa que eu não queria estar, encharcado de suco de cevada. Atônito. O chão molhado, as francesas achando que tinham aprendido a dançar – até descobrirem que, na verdade, estavam só escorregando. E a depressão instantânea que se abateu sobre o semblante do Erwin, que percebeu o que havia feito.

“Pôxa... eu achei que seria divertido”, disse ele. É, não foi.

E esta foi a minha festa.

E por isso que, num sábado de manhã, com sono, cansado e irritado comigo mesmo e com todo o resto, eu estava lá, naquele ponto solitário. Pensando que tipos de besteiras eu estava fazendo com a minha vida. Remoendo o mundo na minha cabeça e tentando fazer o radinho funcionar. Para poder ficar só escutando e não precisar falar com ninguém no ônibus.

Até que o ônibus chegou. Reparei que estava vazio. Tudo bem... era só colocar o fone, sentar bem lá no fundo e esperar a viagem acabar.

Mas eu não pude pagar a passagem com o cartão. O motorista disse que tinha um problema qualquer com a máquina e pediu se eu não podia sentar ali na frente, antes da catraca. Respirei fundo e me sentei.

Percebi que o motorista estava um pouco nervoso. Pelo retrovisor, olhava para mim, mas não dizia nada. Apertei os olhos com as mãos, respirei fundo e aposentei os fones que desciam dos meus ouvidos. Eu estava realmente chato e ele estava realmente querendo conversar.

O motorista confessou que não sabia o caminho que deveria fazer. Era novo no trabalho, estava confuso e não sabia para onde ir. Eu não poderia ajudar?

Por um instante, eu não acreditei naquilo. Como podiam mandar um motorista que nem ao menos sabia o itinerário? E a última coisa que eu queria aquela manhã era conversar com alguém.

Mas eu conversei. Expliquei, pacientemente, onde ele deveria virar e aonde ir reto. O motorista errou alguns trechos, mas não teve problema. Expliquei novamente.

E enquanto nós prosseguíamos sozinhos pelas ruas vazias, ele ia me contando sua vida, tudo o que deu certo e o que deu errado até chegar ao momento de aceitar aquele trabalho como um “bico. Só para quebrar um galho até as coisas se acertarem”. Ele também não estava onde ele queria, na vida. Mas me disse que um homem precisava fazer o certo, que era trabalhar para se manter alimentado e sonhar para se manter vivo.

Desci do ônibus, sob muitos agradecimentos e bênçãos e caminhei pensativo, até em casa.


O começo

As viagens de ônibus tomam um espaço considerável no meu cotidiano. E é estranho pensar que eu comecei um tanto tardiamente.

Fiz meu colegial numa escola que é um Casarão no centro da cidade. Lugar muito especial não só por ser onde travei as maiores amizades que conservo até hoje, mas também por ser aquela época importante na qual grandes erros são cometidos e grandes decisões são tomadas.

Nessa época, eu tinha a facilidade de não precisar andar de ônibus. Eu tinha carona para ir e para voltar do colégio. O que, de certa forma, também limitava meu espaço de vida a, basicamente, a casa e o colégio. Era cômodo, mas também era ruim. Eu nunca tinha tomado um ônibus sozinho.

O começo da adolescência é momento de grandes mudanças, de rompimentos. É quando você começa a talhar o caráter que quer usar para o resto da vida. Eu percebia as pessoas mudando ao meu redor e, aos meus olhos, eu permanecia estagnado.

Mas houve um ponto de viragem. Aquele momento fugaz no qual o mundo sacudiu e eu decidi que era hora de seguir em frente. Aquele instante de crescimento, no qual as coisas começariam a ser diferentes.

Foi o momento no qual eu rompi com as minhas tradições e decidi subir num ônibus, por minha conta, e ir para algum lugar. Enquanto estava no ponto, eu quase vomitei de nervoso.

É uma história boba, sem dúvida. Mas é uma daquelas grandes memórias que acompanham a pessoa para sempre.

Enquanto estudava no Casarão, fiz grandes amizades. Amigos que eu mantenho até hoje, como o Erwin e o Solano.



O Solano era um sujeito realmente bacana. Grande amigo, muito inteligente e articulado. Sempre soube falar muito bem e manter uma boa postura. Por isso, todo mundo, alunos, funcionários e professores, sempre gostaram muito dele.

Mas o Solano tinha um problema: todos os dias, sem exceção, chegava atrasado e passava a primeira aula dormindo em cima da mesa. Nós todos tirávamos sarro. Eu repreendia duramente sua falta de compromisso e respeito. Eu, o cara que ia de carona todos os dias e chegava no colégio em dez minutos.

Um dia, um ano ou dois depois do fim do colégio, estávamos eu e o Erwin tomando umas cervejas no apartamento recém alugado do Solano. A conversa que invadiu a tarde começou a tomar conta também da noite e logo alguém propôs que nós saíssemos para algum lugar. Era naquele período de recém liberdade, então nossos planos mais loucos envolviam, no máximo, uma pizza no shopping.

E era exatamente o que nós faríamos, se um telefonema do pai do Solano, no meio do caminho, não desse a alternativa. E por que não nos aventurarmos em uma festa na antiga cidade do Solano, onde ficava o sítio no qual ele morou durante os anos do colégio?

Em algum momento, um hobbit precisa sair de sua toca. Foi o que Bilbo nos ensinou.


Fomos para um terminal no centro, passando por lugares estranhos com os quais eu não estava acostumado – o Centro, à noite, é um outro mundo – e tomamos um ônibus suspeito até a cidade vizinha. Descemos no meio da estrada, andamos por um trecho deserto onde eu tinha certeza que seríamos assassinados por algum maluco que surgisse por detrás do matagal – sim, eu era medroso dessa forma – atravessamos um longo pontilhão até chegar numa padaria amistosa. Um banquete de pão com presunto e queijo e Fanta laranja depois, nos dirigimos até a carona para a tal festa. Não convém entrar em detalhes sobre o evento. Que fique para registro apenas que Rio Negro e Solimões fazem um cover fantástico de Paralamas do Sucesso!

No final da festa, fomos todos dormir no antigo sítio (e a viagem até lá foi uma outra aventura que mereceria uma narrativa própria. Envolveu o Erwin com chapéu do Chaves, armas de fogo e um carro de palhaço).

No dia seguinte, com as vacas mugindo alto, nós acordamos, tomamos café e nos preparamos para ir embora. O Erwin perguntou onde era o ponto mais próximo e o Solano deu um sorriso. Provavelmente ele esperou muito por aquele momento. “Vocês vão fazer o caminho que eu fazia todos os dias para chegar ao Casarão. Vem, eu acompanho vocês”, ele disse.

Eu não me lembro de já ter caminhado tanto na minha vida. O percurso, até o ponto, não apenas era longo, mas feito através de um caminho de terra esburacado e repleto de poças de lamas. Quando finalmente a pessoa chegava até o ponto, o ônibus demorava muito. E vinha lotado.

Nosso amigo Solano fez aquele caminho, todos os dias, por três anos. Para estar no Casarão às sete e meia da manhã.

No fim daquela viagem, eu olhei para meu velho parceiro e não precisei dizer nada. Nem podia, na verdade. Não tinha fôlego o suficiente. Acenei com a cabeça e entrei com o Erwin no ônibus.

Não existe aquele ditado que diz que, para conhecer realmente uma pessoa, você deve andar uma milha com seus sapatos, alguma coisa assim? Bom, naquele dia eu andei uma milha num ônibus lotado.


( )#2
Estávamos indo para a faculdade, o Erwin e eu, quando entra aquela menina muito bonita no ônibus. Cabelos vermelhos esvoaçantes. Ela sorri para nós e se senta na nossa frente.

Consultei meu amigo com os olhos e ele concordou. Limpei a garganta, chamando a atenção da garota, ofereci um Mentos e começamos a conversar.

“Então você está indo para a Faculdade? Que coincidência, nós também. Se quiser, a gente pode acompanhar você”

“Ah, que gentileza! Muito obrigada, eu quero sim”

“E o que você estuda lá?”, eu perguntei.

“Eu comecei a cursar Enfermagem”

“Ah, enfermagem, é?”. Quem disse esta última frase foi o Erwin, que até então se mantinha em silêncio. Ele coçava o queixo, distraído. Fiquei tenso.

“Bom, você sabe o que dizem sobre as enfermeiras, não é?”. Comecei a olhar, nervoso, para o Erwin. Ele não era exatamente famoso por seu bom senso. Um dia, estávamos na empresa de ônibus. Eu estava tirando meu cartão de passe de estudante. Percebi que o Erwin olhava muito para o crachá da moça que me atendia, curioso. O nome era alguma coisa realmente estranha, provavelmente a junção não bem sucedida de outros três nomes. Então o Erwin abre a boca e pergunta para a moça, na maior inocência, se o nome dela era realmente aquele ou se haviam errado no cartório. Fiquei mais de uma hora na fila para tirar um cartão que todos os outros conseguiam em cinco minutos.

“Não, não sei. O que dizem sobre as enfermeiras?”

“Bom”, continuou o Erwin “tem aquele negócio, não tem? De fetiche?”

“Como assim?”. A menina começou a ficar desconfortável e eu já estava tentando abrir a porta para pular do ônibus em movimento.

“Ah, fetiche. Enfermeira. Existe uma fama, não é mesmo? Falam que elas são um tanto... telúricas, lascivas... não é verdade?”

Ele tinha um bom vocabulário, meu amigo. Só não tinha noção. A moça se virou e ninguém disse mais nada até o fim da viagem.


...continua na semana que vem

E não perca, no próximo capítulo: "Give Peace a chance"





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