Como alguns leitores mais atentos devem ter percebido, este que vos escreve esteve ausente do Reduto nos últimos tempos, e isso se deve a um simples motivo: fui convocado pela Pátria. Sim, eu tenho 18 anos e sou homem (fato que pode surpreender alguns leitores), e além disso, fui tomado por aquela euforia de jovens desempregados e suicidas em potencial que decidem abraçar o Serviço Militar como se fosse a maior oportunidade de suas vidas.
Ao completar 18 anos...
Não que eu não goste do Exército, muito pelo contrário. Há alguns anos decidi seguir carreira militar ingressando na Academia Militar das Agulhas Negras, mas não passei no concurso. Então, ao completar 18 anos, ouvi muitos amigos dizerem "ano que vem, vamos sofrer juntos no Exército heim?". Muitos arregaram, alguns foram dispensados, mas no fim sobraram alguns guerreiros para compartilhar as dores de recruta. Assim que comecei a me apresentar no 2º Grupo de Artilharia Antiaérea, em Praia Grande - SP, reparei que o simples convívio e a vontade de servir a Pátria deixava os jovens mais sociáveis e solidários, e então eu comecei a entender o que os militares chamam de companheirismo - não uma simples amizade, mas sim um desejo de ajudar outras pessoas que estão passando pelas mesmas tribulações para conquistar o mesmo objetivo.
Meu Objetivo
Conhecendo de perto aqueles que vivem o que eu quero viver, pude ter uma noção melhor do que seria a carreira militar e o que eu teria de fazer para conquistá-la. Certo dia, todos os conscritos (candidatos ao Serviço Militar) se apresentaram à frente dos soldados que os coordenavam para dizer porque queriam ou não queriam servir. Eu fui logo preparando meu discurso, mas não sabia o que viria pela frente.
"Eu quero servir porque decidi há alguns anos ingressar na AMAN, mas não passei no concurso. Então pensei que o Serviço Militar Obrigatório seria uma boa oportunidade para me acostumar à disciplina e à rotina militar, alem da aptidão física."
"Aaaahhh, então você quer aptidão física?" - disse um soldado com o biotipo de um lutador de MMA.
"Sim, senhor" - respondi, me arrependendo instantaneamente.
Eu não sabia - e depois esse mesmo soldado me explicou - que Aptidão Física é uma espécie de medalha de honra concedida ao recruta que se destaca fisicamente numa bateria. Mas tambem, o que eu esperava? Eu me senti aquele cara d'Os Intocáveis que morre espancado pelo Robert DeNiro, sem nem sentir medo do Al Capone segurando um taco de baseball nas mãos.
Confesso que a pressão e o cansaço me fizeram repensar no futuro, mas com o tempo você se acostuma e os (bons) soldados te incentivam a continuar, a se dedicar e a estudar se você realmente gosta da profissão.
Os VoluntÓrios para o Serviço Militar
Quando perguntados sobre quem era voluntário para servir, todos à minha volta levantaram o braço com o punho cerrado, menos um garoto. Quando o sargento o indaogu a respeito ele respondeu, em tom de brincadeira "eu sou voluntório (voluntário+obrigatório)".
Esse mesmo garoto depois disse à bateria e aos militares que a comandavam que não queria servir pois já possuía um bom emprego, uma faculdade para ingressar e uma garota para pedir em casamento. Isso realmente me fez pensar no porque de o Serviço Militar ainda ser Obrigatório. Descartando os argumentos costumeiros de "o Brasil não é uma potência militar", "nos Estados Unidos não é obrigatório", "isso é um resquício da ditadura", vi alguns bons motivos para desaprová-lo.
Pra começar o processo de seleção é demorado. Minha inscrição na Junta Militar ocorreu em janeiro do ano passado, e minha incorporação ocorreu em 1º de março de 2013 - mais de um ano de angústia. Isso, pra mim, nem é o maior problema, pois eu queria servir; e para aqueles que não queriam e tiveram que esperar mais de um ano para conseguir o Certificado de Reservista? Alem disso o CPOR localizado em São Vicente recebeu seus recrutas ainda em 2012 - uma rapidez claramente influenciada pelo contingente voluntário.
Em segundo lugar, a Baixada Santista sofre atualmente de uma superpopulação masculina de jovens, e o alistamento obrigatório faz com que o trabalho das Organizações Militares seja dobrado para averiguar todos os candidatos, através de entrevistas, exames médicos, checagem de antecedentes criminais etc. Assim como aquele garoto, muitos jovens que poderiam seguir sua vida tranquilamente são puxados pelo Serviço Militar por simplesmente terem "um bom perfil", tirando a vaga de outros mais interessados e, quem sabe, tambem aptos à incorporação.
Em terceiro lugar, seria a obrigatoriedade do alistamento um dos motivos para o abandono que sofre o Exército Brasileiro? Pois se não fosse obrigatório e a quantidade de interessados fosse menor que o necessário, o Governo precisaria melhorar os salários, condições de trabalho e benefícios dos militares.
Fatos Interessantes
- Percebi que o grito lhe dá mais força. Tal qual um praticante de karatê com seu kiai, me senti mais forte e vigoroso ao gritar e ao ouvir o grito em uníssono da tropa. Curioso, não?
- Quando perguntaram a um tenente como era a AMAN, ele terminou seu discurso com o seguinte comentário: "todo mundo ganha um presentinho da AMAN. Um braço quebrado, um ombro luxado, um joelho fora do lugar... ninguem volta 100%. Isso quando volta, porque na minha turma dez faleceram." Essa foi a única coisa que me fez repensar a minha escolha de carreira.
- Durante a entrevista complementar, realizada já no 2º GAAAe, o sargento me perguntou o que eu fazia como lazer, e eu respondi ler. "Ah é? E o que você anda lendo atualmente?" "No momento, eu estou lendo As Crônicas de Gelo e Fogo" esperando que ele me perguntasse o que era isso. Em vez disso, o sargento olhou para o seu auxiliar e soltou um risinho de canto de boca E COMEÇOU A ME PERGUNTAR COMO ESTAVAM OS PERSONAGENS DA SÉRIE. Foi muito bizarro, um sargento nerd!
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